Pegadas de dinossauros no Algarve

Pegadas de dinossauros no Algarve


O Algarve é conhecido pelas suas incríveis paisagens, pelas belíssimas praias de águas quente e transparentes, pelo clima ameno, pela riquíssima gastronomia... .
Mas o Algarve é também muito rico em património, não só histórico, cultural e religioso, mas também em património geológico. 
As rochas das suas arribas e falésias contam-nos histórias com milhões de anos e ajudam-nos a entender não só as origens do nosso território como também a evolução do nosso planeta.
E é em algumas camadas dessas rochas que se escondem os restos petrificados dos antigos habitantes do planeta - os fósseis - ou os vestígios da sua actividade - os icnofósseis. 
Este património paleontológico, talvez o menos conhecido e seguramente o menos divulgado, está muito bem representado no Barlavento Algarvio, mais propriamente na faixa litoral entre a Praia da Salema e a Praia da Foia do Carro, no concelho de Vila do Bispo. 



Praia da Salema - lado ocidental


Praia da Salema
A seta assinala a localização da laje com pegadas de ornitópodes
no lado ocidental da praia da Salema

Quem visita esta região do Algarve ou opta por passar ali as suas férias,  geralmente não sabe que mesmo junto à praia onde passeia, dissimulado por entre o branco e o ocre das falésias, está um património com mais de 125 milhões de anos - Pegadas de Dinossauros. 
Ali existem cinco locais onde se podem encontrar as marcas deixadas pelas patas de vários grupos de dinossauros - os saurópodes, os ornitópodes e os seus predadores, os terópodes.

Pegadas de dinossauros Salema
Trilho com pegadas de ornitópode
no lado ocidental da Praia da Salema

Na belíssima praia da pequena aldeia da Salema, as rochas aflorantes têm cerca de 129 a 125 milhões de anos, e pertencem ao Barremiano, um andar do Cretácico Inferior.
Do lado ocidental da praia, mesmo junto a uma escada que lhe dá acesso, uma laje, quase na horizontal, exibe um trilho com pegadas de dinossauros. 
Por se encontrar em plena praia e muito sujeita à influência das ondas, esta laje fica por vezes tapada por areia, pelo que nem sempre é possível observar o trilho completo.
No espaço de 19 horas, as sete pegadas que se encontravam a descoberto, ficaram reduzidas a apenas quatro.


A sinalética que informava de existência destas pegadas, na parte superior das escadas, já não existe e talvez por isso, os imensos veraneantes que por ali passam, nem se apercebem da sua existência. Alguns sentam-se um pouquinho na laje para descansar, os banhistas ali estendem as toalhas, e as crianças erguem castelos de areia naqueles “buracos estranhos”.


Se bem que este trilho seja composto por um maior número de impressões, as sete pegadas a descoberto formam um segmento de pista muito rectilíneo, com 4,65 mts de comprimento.
Algumas apresentam um grande desgaste, restando apenas algumas impressões sub-circulares.
As pegadas melhor preservadas têm o comprimento idêntico à largura (cerca de 38 cm). Os seus três dedos são curtos mas largos terminando em forma de cascos arredondados, e o "calcanhar" é estreito e em forma de U. Este animal deslocava-se vagarosamente sobre um terreno enlameado.
Estas características permitem atribuir estas pegadas a iguanodontídeos, uma família de dinossauros pertencente à sub-ordem dos ornitópodes.

trilho iguanodontideo Salema
Segmento do trilho com pegadas de ornitópode iguanodontídeo
no lado ocidental da Praia da Salema

Os ornitópodes eram herbívoros e tinham três dedos nos pés daí o seu nome significar "pés de ave" - do grego ornis ("ave") e pous ("pé").
Estes dinossauros que surgiram durante o período Jurássico como pequenos bípedes corredores, tinham bicos rígidos que lhes permitia cortar a vegetação. Durante a sua evolução, desenvolveram um aparelho de mastigação muito sofisticado. Passavam a maior parte do tempo a pastar em quatro patas, mas podiam usar apenas os membros posteriores para andar ou "fugir".
Estes dinossauros tornaram-se numerosos tendo muitas espécies atingido grande tamanho. Foram os mais bem sucedidos dinossauros herbívoros durante o Cretácico.

Pegada de ornitópode iguanodontídeo algarve
Pegada de ornitópode iguanodontídeo
no lado ocidental da Praia da Salema


Praia da Salema - lado oriental


As setas assinalam as localizações das lajes com pegadas de dinossauros
no lado oriental da praia da Salema 

Do lado oriental da praia da Salema existem pelo menos outros dois locais com icnitos (pegadas de dinossauros).
No primeiro (assinalado com a seta branca na imagem em cima) podemos observar outro tipo de pegadas que foram produzidas por dinossauros de outra sub-ordem - os terópodes.

pegadas de dinossauros terópodes Praia da Salema
Laje com  pegadas de dinossauros terópodes
 Praia da Salema (lado oriental)

pegadas de dinossauros Praia da Salema
Pegadas de dinossauros terópodes da Praia da Salema (lado oriental)
(Bloco superior)

As pegadas ficaram preservadas em dois blocos, um superior e outro inferior que terá descaído, pelo que se assim fôr, pertencerão à mesma laje, logo ao mesmo nível.
A dinâmica das ondas e das marés mais uma vez  influencia a percepção destes icnitos. O bloco inferior é recorrentemente tapado por areias trazidas pelo mar, pelo que nem sempre é visível.
Há 125 milhões de anos, quando estes dinossauros por aqui passaram, fizeram-no sobre um solo plano e lamacento. Só muito mais tarde, forças tectónicas poderosas levantaram estes estratos dando-lhes a inclinação que têm hoje. 

pegadas de dinossauros Salema
Pegadas de dinossauros terópodes da Praia da Salema (lado oriental)
(Bloco inferior)


Pegada de pequeno terópode na Praia da Salema (lado oriental)
(Bloco inferior)

As pegadas destes terópodes são de pequenas dimensões (cerca de 20 cm de comprimento), e apresentam três dedos finos e compridos, que terminam com as marcas de garras retorcidas e pontiagudas.
Algumas encontram-se alinhadas formando pistas, outras são pegadas isoladas. No entanto, pela sua disposição, podemos considerar tratar-se de pelo menos três a quatro indivíduos que por aqui passaram.

Praia da Salema pegadas dinossauros
Três pegadas produzidas por três terópodes distintos
Praia da Salema (lado oriental)
(Bloco superior)

Algumas destas pegadas apresentam um formato que nos faz lembrar as patas das actuais aves não voadoras da América do Sul – os Nandu-de-darwin  e as Emas, ou dos Casuares da Austrália e Nova-Guiné. 


Pegada de dinossauro terópode algarve
Pegada de pequeno terópode da Praia da Salema (lado oriental)
(Bloco superior)

O estado de fracturação da laje está bem explicito nas imagens.
No bloco superior, são hoje visíveis oito pegadas e no bloco inferior apenas duas. E dizemos hoje porque em 1995, quando estes icnitos foram descobertos, existiam fragmentos com mais pegadas, que entretanto caíram. 
E muitos mais hão-de cair, até que este registo icnológico se perca para sempre. 


Pegadas de dinossauros teropodes algarve
Pegadas de dinossauros terópodes da Praia da Salema (lado oriental)
(Bloco superior)

É pois necessário intervir urgentemente na consolidação da laje, tentando preservar estas marcas, mas deixando-as no local onde foram produzidas à 125 milhões de anos. 
Estes icnofósseis devem, na nossa opinião, permanecer in situ e não guardados no interior de museus, pelo que a sua retirada do local deveria ser sempre uma medida de último recurso. 
Desta forma poderão ser divulgados, observados e estudados por todos, incentivando o gosto e a curiosidade do público em geral por este património, que nos foi deixado por animais que foram extintos no final do Cretácico.

Pegadas de dinossauros salema algarve
Pegadas de pequenos terópodes da Praia da Salema (lado oriental)
(Bloco superior)

E este é apenas mais um exemplo do estado em que se encontram a generalidade das jazidas de icnitos em Portugal, os parentes pobres do Património Português. 
Se uma fachada dos Jerónimos estivesse em risco de desmoronar, certamente que se tomariam medidas imediatas de protecção, conservação ou restauro. Mas o legado que estes animais extintos nos deixaram, impossível de reconstruir, não tem merecido o interesse de quem o pode e deve proteger.

Pegada de pequeno terópode na Praia da Salema (lado oriental)
(Bloco inferior)

As pequenas dimensões destas pegadas de terópodes não significa necessariamente que os seus autores fossem indivíduos adultos de pequeno tamanho, podendo tratar-se de indivíduos juvenis ou até mesmo de crias, já que uns metros mais à frente encontra-se outra laje com pegadas de terópodes com maiores dimensões.

Laje com pegadas de terópode e saurópode
no lado ocidental da Praia da Salema

Laje com pegadas dinossauros Salema algarve
Pegadas de terópode e saurópode
no lado ocidental da Praia da Salema

Nessa laje, a que se encontra mais a este da praia da Salema, conseguem-se distinguir duas pegadas tridáctilas consecutivas, com comprimentos de cerca de 47 cm. 
Os dedos são robustos e terminam com a impressão das garras (unguais). 
A distância entre as duas impressões, que assumimos ser do pé esquerdo e do pé direito, é de 1,40 metros.

Pegada de terópode Salema oriental
Pegada de terópode
no lado ocidental da Praia da Salema

Pegada de terópode
no lado ocidental da Praia da Salema

Nesta mesma laje podemos também observar pegadas de um grande saurópode. 
Uma depressão oval com cerca de 1,10 m de comprimento e 75 cm de largura está associada a uma depressão em forma de ferradura onde são visíveis as marcas das unhas. A impressão oval corresponde à marca do pé e a outra, de forma de ferradura, corresponde à marca da mão de um saurópode. 
Espreitando por baixo da camada sedimentar superior, encontra-se uma outra forma semi-circular que, por estar parcialmente tapada, não é possível identificar. 
Estas pegadas apresentam um rebordo perfeitamente preservado. Esse rebordo é o resultado da pressão exercida pelo peso do animal ao pôr as patas no solo, levantando o sedimento.
Esta é pois uma prova surpreendente de que existiam no inicio do Cretácico português, dinossauros saurópodes de grande porte.

Pegada de saurópode
no lado ocidental da Praia da Salema



Praia da Santa - lado oriental


Caminhando para oeste da Salema, a praia que se segue é a Praia da Santa, uma pequena enseada rodeada por belíssimos estratos de tons amarelos e laranjas.


No seu lado oriental, podemos encontrar algumas das mais bem preservadas pegadas de ornitópodes do Algarve e possivelmente de todo o país. 
Aqui podem ser observados vários segmentos de trilhos mas também algumas pegadas isoladas. 
O  trilho mais visível, na imagem em baixo, são perceptíveis 7 a 8 pegadas, a maioria muito mal preservadas, sendo que duas delas estão com muito bom estado de conservação.

Algarve trilho pegadas dinossauros iguanodontes
Trilho com pegadas de ornitópode
no lado oriental da Praia da Santa

Pegada dinossauro iguanodonte praia Santa algarve
 Pegada de ornitópode iguanodontíano
no lado oriental da Praia da Santa

São pegadas profundas com cerca de 50 cm de comprimento, que apresentam três dedos curtos mas robustos em que a extremidade é arredondada. A zona do "calcanhar" é muito mais estreita mas igualmente profunda e apresenta a forma de um U. Nestas pegadas é possível distinguir a parte correspondente às almofadas dos dedos assim como a do "calcanhar".

Pegada dinossauro praia Santa Algarve
Pegada de ornitópode iguanodontíano
no lado oriental da Praia da Santa

Laje com pegadas
(lado oriental da Praia da Santa)

No mesmo nível mas um pouco mais para este, existem outros trilhos com pegadas igualmente grandes mas menos profundas, e também pegadas isoladas.
Os dinossauros que produziram estas pegadas terão pertencido à família dos Iguanodontídeos que terão desaparecido no final do Cretácico inferior. O mais recente fóssil de Iguanodontídeo que se conhece tem cerca de 103 milhões de anos. 

Praia Santa Algarve pegada dinossauro
Pegada de ornitópode iguanodontíano
no lado oriental da Praia da Santa


Pegadas de ornitópodes iguanodontíano
no lado oriental da Praia da Santa

Entre os Iguanodontídeos está o conhecido Iguanodon que viveu na Europa desde o início do Cretácico Inferior. 
O Iguanodon foi dos primeiros fósseis de dinossauros a serem descobertos (1822) ainda a ciência não fazia ideia da existência destes animais extintos. Chamaram-lhe "dentes de iguana" por os seus dentes fazerem lembrar os das iguanas actuais só que ... 20 vezes maiores. Representaram-no como um enorme réptil quadrúpede, com um chifre no nariz que, afinal ... era a garra modificada do polegar. 
Em 1878 na mina de carvão de Bernissart na Bélgica foram descobertos 38 esqueletos de Iguanodon, alguns deles completos. Apartir daí inúmeros vestígios ósseos deste dinossauro foram encontrados em alguns países europeus.
Em Portugal foram encontrados vestígios de ossos e dentes de Iguanodon em sedimentos do Cretácico inferior, na Boca do Chapim (perto do Cabo Espichel).

Pegada de ornitópode iguanodontíano
no lado oriental da Praia da Santa

O Iguanodon, tinha uma cabeça grande, alta mas estreita. Na frente do focinho não tinha dentes mas sim um bico córneo bastante afiado que lhe permitia cortar a vegetação. Na parte de trás das mandíbulas, no entanto, tinham dentes poderosos que trituravam facilmente os alimentos. Os pés, com três dedos, terminavam em forma de cascos, assim como os três dedos médios (II, III e IV) das mãos que eram rígidos, de modo a ajudar a suportar o peso do corpo quando se deslocava em quatro patas. 

Mas a característica que mais o distingue são os outros dois dedos da mão: o dedo V, que era longo e flexível; e o dedo I, o Pollex ou polegar, virado para fora e que terminava com uma grande garra cónica e afiada, fazendo lembrar um chifre. 
Ninguém sabe, com certezas, para que serviriam estes dois dedos e provavelmente nunca se virá a saber.

Pegada de ornitópode iguanodontíano
no lado oriental da Praia da Santa



Outras jazidas

No lado ocidental da Praia da Santa existem também duas camadas sedimentares com pegadas tridáctilas.

Ainda mais a ocidente, na Praia da Foia do Carro, as rochas aflorantes são ainda mais antigas, pertencem ao Jurássico Superior - Portlandiano - com cerca de 150 milhões de anos. Aí foram descobertas pegadas de saurópodes.

As pegadas de dinossauros encontradas, até à data, fora da Bacia Lusitaniana, encontram-se todas no concelho de Vila do Bispo, no Barlavento Algarvio e dentro do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.






CLIQUE na imagem acima e veja o video desta Jazida no YouTube

Comentários

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  2. Em resposta ao Senhor Lopes da Silva que nos deixou um comentário, que agradecemos, mas que decidimos não publicar por conter informações de carácter particular.
    Existem em Portugal alguns locais com pegadas de dinossauros que ainda não foram objecto de estudo, como a Jazida Norte da Serra do Bouro, ou as pegadas da Praia do Magoito em Sintra, não sabemos se por falta de oportunidade ou se por não terem valor científico relevante.
    Não conhecemos o local que referiu no seu comentário, mas de acordo com a carta geológica do LNEG, as rochas ali existentes são do período Carbonífero (datado entre 359 milhões e 299 milhões de anos, aproximadamente), portanto muito anterior ao aparecimento dos primeiros dinossauros que se acredita terem surgido à cerca de 233 milhões de anos, no periodo Triássico.

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  3. Boa Tarde. Grato pela atenção que quiz ter para comigo. Tenho uma foto, que embora má tem uma sucessão de concavidades, rectilineas numa arriba. Não fui eu que a tirei, mas como tenho dois filhos em Santiago, vou tentar obter uma com melhor qualidade. Como a posso enviar? Melhores Cumprimentos.

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  4. Poderá contactar-nos e enviar as suas fotos através do nosso link Contacto na parte superior do Blog ou através do email portugalempedra.blog@gmail.com

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