Pegadas de Dinossauros na Serra do Bouro – Jazida Norte

Trilho pegadas dinossaurios sauropodes
Trilho de saurópode na Jazida Norte da Serra do Bouro


A jazida norte está localizada nas arribas litorais de Salir do Porto (Caldas da Rainha), viradas para o Atlântico e a pouco mais de mil metros dessa localidade.
Nesta região da Serra do Bouro, riquíssima em icnitos (pegadas de dinossauros), são conhecidas pelo menos mais duas outras jazidas: Pedras Negras e Currais Velhos, sendo que esta é a que se encontra situada mais a norte, dai o seu nome.


Vista parcial da Jazida Norte da Serra do Bouro


Após uma descida de cerca de 270 metros por um caminho de terra batida, o visitante depara-se com uma laje calcária de aproximadamente 27.600 metros quadrados, repleta de pequenas pedras que dificultam a percepção imediata de qualquer vestígio.

Apenas a existência de protuberâncias no terreno, que sobressaem em relação ao plano da laje, nos dão a indicação que podemos estar na presença de pegadas de dinossauros.


Elevações correspondentes ao rebordo das pegadas de sauropodes


Na verdade, essas protuberâncias, que se distribuem por toda a área da jazida e rodeiam inúmeras depressões com forma oval ou semi-circular, correspondem aos rebordos do impacto causado pelas patas de saurópodes no solo, enquanto por ali caminhavam.

A maioria das marcas ovais deixadas pelos pés são perceptíveis apenas pela existência dos seus rebordos de impacto, já que as depressões se encontram completamente cobertas de terra e cascalho. No entanto, a sua associação a marcas em forma de crescente, que representam as impressões das mãos, não nos deixam dúvidas que estamos na presença  de pegadas produzidas por esses gigantes do Jurássico.

Estas impressões variam muito de tamanho o que sugere a existência de saurópodes juvenis ou mesmo de crias.


Vista aérea pegadas dinossauro sauropode
Vista de trilho de sauropode


Grande parte das pegadas de saurópodes apresentam uma sequência que nos permite reconhecer a existência de trilhos, mais ou menos contínuos.
Embora de extensão variada, estimamos que alguns trilhos poderão atingir várias dezenas de metros.

Na imagem de abertura deste post e nas imagens que apresentamos em cima e em baixo, podemos observar um trilho de saurópode com 22 pegadas consecutivas (11 pés e 11 mãos). 
Estas pegadas, que se encontram limpas de vegetação e de cascalho, estendem-se por aproximadamente 19 metros seguindo a direcção Oeste-Este. No entanto o trilho continua, podendo mesmo atingir os 40 metros, mas a sua percepção torna-se difícil não só porque o estado de preservação das pegadas diminui, mas também porque outro trilho se lhe sobrepõe e cruza o seu caminho.

O razoável grau de preservação deste trilho permite observar o modo de locomoção deste saurópode: trata-se de um trilho de calibre largo e sugere que o animal se deslocava "colocando os pés para fora".


Trilho de dinossauro saurópode


As marcas provocadas pelas patas traseiras do animal apresentam-se com uma grande profundidade sobretudo na parte posterior, onde também é visível como que uma rampa, com alguma inclinação. Estas peculiaridades sugerem que o animal se afundava na lama e escorregava antes de colocar o pé completamente no chão. 

Por estas razões, quando imaginamos este dinossauro a deslocar-se, não o vemos a fazer um passeio descontraído sobre uma superfície plana, mas sim movendo-se com algum esforço, talvez subindo alguma elevação possivelmente coberta de água.

A base das impressões dos pés ainda se encontram cobertas com alguma terra, pelo que serão ainda mais fundas. No entanto, esta enorme profundidade poderá dever-se a uma longa exposição aos elementos o que pode alterar a sua configuração.


Mão e pé de saurópode
Mão e pé de saurópode


Neste trilho as impressões dos pés têm uma forma de "pingo", são estreitas no calcanhar e alargam na zona dos dedos, e  medem em média aproximadamente 90 cm de comprimento e 50 cm de largura na parte mais larga. Não apresentam vestígios de dedos ou de garras.

As impressões das mãos, em média com 40 cm de largura e 28 cm de altura, têm a forma de uma "meia lua" onde também não são visíveis marcas de dedos.


pegada mao sauropode
Mão de saurópode


Mão e pé de saurópode - vista lateral


Mas também existem nesta jazida outras impressões de pés de saurópodes onde são bem visíveis as marcas de garras, como é o caso da imagem seguinte.


pegada sauropode com garras
Mão e pé de saurópode com marcas de quatro unguais (garras)


Enquanto que alguns saurópodes nos deixaram as marcas da sua locomoção bem visíveis no solo, o mesmo não se passa com os terópodes. 
Aqui, é uma  tarefa quase impossível encontrar uma pegada de terópode bem delineada e completa, como nos habituámos a ver em outras jazidas.


Uma das raras pegadas completas de terópode,
neste caso de pequeno porte.

pegada subdigitigrada
Impressão das partes mais distais dos dígitos de um terópode



Nesta jazida, as pegadas dos terópodes são na maioria das vezes mal definidas, apresentando-se ténues ou incompletas.

Quando observamos uma pegada de terópode bem delineada e "completa", esta mostra as impressões dos dígitos (dedos) e a parte que chamaremos de “calcanhar”, mas que corresponde apenas à zona das articulações entre os ossos dos dedos (falanges) e os ossos do pé (metatarsos).

Os terópodes caminhavam apoiando-se apenas nos dedos dos pés (digitígrados), como fazem os gatos ou os cães, enquanto que os saurópodes caminhavam apoiando a planta do pé no chão (plantígrados), como os humanos, os ursos ou os elefantes.



Pegada subdigitígrada de terópode


Existem muitas pegadas de terópodes onde apenas é possível visualizar as marcas deixadas pelos dedos, sendo que em muitas delas são bem visíveis as marcas de garras. A estas pegadas que apresentam apenas as impressões de partes distais dos dígitos deram o nome de subdigitígradas.
Existem também muitas outras onde apenas se detecta um dedo ou dois.


pegadas subdigitigradas teropode
Pegadas subdigitígradas de terópode


As pegadas subdigitígradas têm tido várias explicações.
Este tipo de pegada poderá ter sido produzida por um terópode com um tipo de pé morfologicamente diferente, que permitisse que apenas  parte dos dedos ficassem impressos nas suas pegadas.
Ou poderão resultar das marcas deixadas pelos dedos de um terópode a deslocar-se a grande velocidade.
Também não se pode descurar a hipótese de as condições paleoambientais da altura não terem sido favoráveis à preservação da pegada completa, ficando apenas preservadas partes dos dedos.


pegada subdigitigrada
Pegada subdigitígrada de terópode

Pegada subdigitígrada de terópode


Mas que marca deixaria um terópode se, ao movimentar-se em águas relativamente profundas, tocasse no subsolo apenas com a ponta dos dedos?

As pegadas subdigitígradas poderão também ser atribuídas a terópodes a deslocar-se dentro de água, provocando este tipo de impressões.


Marca que sugere que o terópode ao deslocar-se dentro
de água apenas a ponta dos dedos tocava o solo.


Marca que sugere que o terópode ao deslocar-se dentro
de água apenas a ponta dos dedos tocava o solo.


A hipótese de que estes animais estariam a progredir dentro de água é ainda mais reforçada quando analisamos os três rasgos paralelos marcados na superfície carbonatada, mostrados na imagem em baixo. 
Imaginemos um terópode dentro de água, quase a perder o pé, e em que apenas a ponta das garras dos seus pés roçavam o fundo. Nesta situação deixaria este tipo de marca.


fase nadatoria teropode
Marcas de garras de terópode em fase nadatória 


Rocha calcária com inúmeros bivalves fossilizados


Este ambiente marinho está comprovado pela grande quantidade de fosseis marinhos, na sua maioria  bivalves, incrustados no calcário da jazida.  E a quantidade e variedade de fósseis aumenta à medida que vamos descendo a laje em direcção ao mar.

Os calcários desta jazida são muito antigos, foram formados no Jurássico Superior à cerca de 160 a 157 milhões de anos, em águas com pouca profundidade.
A futura Península Ibérica, tal como muitas outras áreas que hoje pertencem a países europeus, era uma ilha tropical no meio de um mar raso, de águas calmas e quentes. Estava situada mais próximo do equador onde o clima, quente e húmido, propiciava a abundância de vegetação.


fossil concha bivalve
Resto de bivalve fossilizado

E se existem impressões que sugerem que alguns terópodes andavam dentro de água, o que dizer das suas robustas presas - os saurópodes.

Há zonas em que as marcas dos saurópodes apresentam várias orientações e o espezinhamento é intenso. No entanto, no meio desta amálgama  de depressões, surgem trilhos, por vezes paralelos, que na sua maioria têm a direcção Oeste-Este, ou seja, do mar para terra.

Mas o que levaria estes grandes herbívoros terrestres, imensamente pesados, com caudas e pescoços compridos, a se aventurarem para dentro de água?. Possivelmente a busca de alimento os obrigasse a entrar num ambiente aquático para puderem alcançar zonas com vegetação mais abundante.

E é possível que existisse vegetação abundante nas imediações já que, nesta jazida, também é possível encontrar restos vegetais fossilizados, como o que aparenta ser a casca de uma conífera (imagem em baixo) que possivelmente terá sido arrastada até aqui pelas marés.


fossil vegetal
Resto vegetal fossilizado

Marca com forma de Y

Nesta jazida de Salir do Porto deparamo-nos com marcas que nos deixam intrigados e curiosos como é o caso de várias marcas onde existe um rebordo mas que apresentam a forma de um Y (imagem em cima).
Outras, como é o caso da imagem em baixo, que nos parece uma pegada de um pé de sauropode associada à impressão da mão, mas com um número excessivo de impressões de dedos.


Quantos dedos?


É também muito frequente encontrar depressões como as da imagem seguinte. Trata-se de três pequenas depressões que ao primeiro olhar não passam de pequenos buracos provocados pela água das chuvas. No entanto, a sua disposição linear e presença de rebordos, poderá sugerir outra coisa. 







Pegada de terópode completa

Em 2017, captá-mos as imagens em cima e em baixo e fizémo-lo, não por se tratar de uma impressão bem preservada, mas por ser das poucas pegadas de terópode completas que aqui encontrámos.

Desse grande terópode que por aqui passava há pelo menos 157 milhões de anos, talvez em busca de uma presa, restava apenas a impressão de uma das suas patas, que se aproximava do abismo.


Localização da pegada de terópode em 2017

Foi a última oportunidade que tivémos de a poder contemplar e fotografar. 
Hoje, essa pegada jaz irreconhecível no fundo da falésia, um testemunho do estado de degradação das arribas da nossa costa.


A laje desta jazida, com uma inclinação bastante significativa, assenta numa camada sedimentar argilosa e pouco compacta. Observa-se também aqui alguma carsificação - um fenómeno próprio das superfícies calcárias em que a rocha é dissolvida por acção da água da chuva, abrindo  fendas e fracturas. Tudo isto, aliado a um inverno muito rigoroso, provocou um ritmo de derrocada deveras alucinante.
Verificámos com espanto que muitos dos nossos pontos de referência desapareceram de um ano para o outro.




A instabilidade das nossas falésias e arribas, provocada pela desagregação dos seus materiais, é deveras conhecida e irreversível. 
Todos os anos Portugal perde alguns metros da sua costa e sendo pequenino ficará inexoravelmente menor.





CLIQUE na imagem acima e veja o video desta Jazida no YouTube






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