Monumento Natural das Portas de Ródão

 

Monumento Natural das Portas de Ródão

As cristas rochosas da Serra das Talhadas e Perdigão impressionam qualquer um que viaje pela A23 em direção a Castelo Branco.

Os picos nus e brilhantes das duas serras gêmeas, correm paralelos ao longo de 15 quilómetros, grandiosos e imponentes, envolvendo o verde vale do Cobrão.

Crista quartzítica
Portas de Ródão

Estes grandes relevos estreitos e alongados que se elevam na paisagem, são compostos por rochas muito duras e resistentes - os quartzitos.

A origem deste quartzito, chamado de quartzito armoricano, remonta há cerca de 480 milhões de anos, ao inicio do período Ordovícico.

Nesse tempo, alguns terrenos que hoje fazem parte da Ibéria estavam perto do polo Sul, na margem continental do grande supercontinente Gondwana. 

Nas praias do litoral, foram-se depositando areias muito ricas em quartzo, que com passar do tempo foram consolidando e se transformaram em rocha - os arenitos.


Afloramento de Quartzito Armoricano


Quartzito

Há cerca de 420 milhões de anos, as grandes massas continentais que compunham o nosso planeta começaram a colidir, culminando com a formação do supercontinente Pangeia.

Na Europa, o processo de colisão continental - a orogenia varisca ou hercínica - levou à formação de grandes cadeias  montanhosas, hoje completamente arrasadas, que se estendiam desde a Península Ibérica até à República Checa.

O aumento da pressão e da temperatura decorrente do processo de formação de montanhas, alterou as rochas existentes (metamorfismo) transformando-as em rochas metamórficas: os calcários tornaram-se mármores, os argilitos deram origem a xistos argilosos e os arenitos transformaram-se em quartzitos. 

Além disso, as grandes forças de compressão deformaram e enrugaram as camadas rochosas, provocando dobras nas superfícies originalmente planas. 

Em Vila Velha de Ródão, os quartzitos, outrora na horizontal, apresentam-se com uma grande dobra em U - o sinclinal de Ródão, formando uma dupla crista.


A dupla crista quartzitica do sinclinal de Ródão

Entre Vila Velha de Ródão e Nisa, onde a monumental porta, aberta pelo rio, separa o Alentejo da Beira Interior,  ficou registada uma outra história  - a da evolução do maior rio ibérico.

Aqui chegado, vindo de Espanha, o Tejo corre paralelo à Serra de S. Miguel de Nisa. 

Subitamente vira à esquerda, numa curva apertada, e corta a imponência das grandes escarpas, brando e adelgaçado, parecendo agradecer a permissão para passar.

Mas nem sempre foi assim. 


O "cotovelo" do Tejo em Vila Velha de Ródão


Há cerca de 3,6 milhões de anos não existia um Tejo, pelo menos nada parecido com o rio que conhecemos hoje.

Num clima húmido e quente, existia uma vasta planície aluvial onde múltiplos cursos de água se entrançavam, unindo-se e voltando-se a separar, divagando e serpenteando centenas de quilómetros até desembocarem num largo delta, na zona onde hoje existe a Lagoa de Albufeira.

As areias, cascalhos e argilas transportados e depositados por esse sistema fluvial, formaram um imenso manto de sedimentos que, ainda hoje em alguns locais, apresentam uma altura superior a 300 metros. 

O ancestral Tejo corria pois muito acima do seu leito atual, passando por cima das submersas cristas quartzíticas.


Portas de Ródão
vistas do Castelo do Rei Vamba

Crista quartzítica das
Portas de Ródão


Há 2,6 milhões de anos o Tejo começa a escavar o seu percurso e a definir o seu caminho até ao Atlântico. 

Com ajuda da tectónica, das oscilações climáticas e das variações do nível do mar, o grande rio foi progressivamente rasgando terreno, encaixando-se nos sedimentos ali depositados durante milhões de anos.


Rio Tejo a jusante das Portas de Ródão


Rio Tejo

A dado momento, o leito escavado pelo rio esbarra com a montanha, escondida por baixo dos brandos sedimentos.

As suas águas iam-se acumulando na depressão de Ródão, mas as duplas cristas quartzíticas representavam um obstáculo ao seu escoamento.

Mas o obstinado Tejo tinha razão em escolher Ródão como seu caminho, já que aqui ocorre um cruzamento de várias falhas geológicas, um ponto de fraqueza na intransponível muralha, que permitiu que ao longo do tempo, o rio esculpisse a afunilada porta e rompesse as imponentes cristas continuando caminho através dos xistos, num percurso estreito e sinuoso. 


Portas de Ródão


A incisão fluvial e as várias etapas de encaixe ficaram muito bem registadas nos 6 terraços fluviais deixados pelo rio Tejo, bem representados a montante das Portas de Ródão.

Com mais de 250 metros de altura e 45 metros de largura mínima, as Portas de Ródão são um importante geossítio e um dos ex-libris do Geoparque Naturtejo da Meseta Meridional.

O Monumento Natural das Portas de Ródão foi formalmente criado em 20 de Maio de 2009.


Monumento Natural das Portas de Ródão



Bibliografia:

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Gouveia, Jorge - O Monumento Natural das Portas de Ródão. AÇAFA On Line, nº 2 (2009) Associação de Estudos do Alto Tejo - 


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