Nossa Senhora do Loreto em Tancos - um convento de frades capuchos
Ruínas da Igreja do Convento de Nossa Senhora do Loreto em Tancos |
As ruínas do que outrora foi o Convento de Nossa Senhora do Loreto, ainda perduram envergonhadas, à sombra de um dos locais mais visitados e fotografados do vale do Tejo – o castelo de Almourol.
Em 1571, era comendador de Almourol D. Álvaro Coutinho, neto do 1º Conde do Redondo. Ao seu pedido para a fundação de um convento nas suas terras de Paio de Pele (1), foi dada provisão de El Rei D. Sebastião, e licença por parte dos religiosos franciscanos.
Castelo de Almourol visto do Convento do Loreto |
Corria o ano de 1572, no dia 13 de Março, uma sexta-feira pela manhã, quando foi lançada a primeira pedra do que viria a ser um convento de religiosos franciscanos da "mais estreita observância", da Província de Santo António - os chamados Frades Capuchos - que tinham como casa mãe o Convento de Santo António dos Capuchos em Lisboa, onde hoje funciona o Hospital com o mesmo nome.
Escudo da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos |
As obras decorreram rapidamente, bem perto do castelo e bem à vista da sua emblemática torre de menagem.
A primeira igreja, uma pequena ermida “feita pela medida de largura e comprimento da Santa Casa do Loreto" (2), assim como os locais de recolhimento dos frades, foram construídos em taipa, devido à urgência de haver um local onde os religiosos se pudessem instalar.
A construção da ermida foi tão rápida que no dia da Anunciação, doze dias depois, a 25 de Março, foi rezada a primeira missa e Frei Pedro dos Santos dirigiu o primeiro sermão ao povo de Tancos e de outras terras vizinhas, que acorreram à inauguração.
O espaço para o recolhimento dos frades ficou pronto na Páscoa e teve o contributo não só do patrono D. Álvaro Coutinho mas de muita gente da vila de Tancos e de outros benfeitores.
No inicio, o convento era ocupado por apenas três frades, mas ao longo do tempo, o espaço foi sendo ampliado e melhorado, de modo a poder acolher mais religiosos.
Os frades eram tão pobres que até a imagem da Santa que colocaram no altar do oratório, foi cedida pelos vigários da vizinha vila de Punhete (actual Constância) já que a imagem, outrora milagrosa, se encontrava abandonada e esquecida numa antiga ermida.
Diz-se que muita gente ali começou a acorrer em romaria, perturbando o sossego dos frades, o que levou a que Frei Pedro dos Santos, falando com a imagem, pediu à Santa para que esta não fizesse mais milagres, sob pena de ser devolvida a Punhete.
E a Santa deixou de fazer milagres e ficou “em silêncio alguns anos, não deixando de interceder por seus devotos e benfeitores da Casa.”
Em 1575, houve necessidade de construir uma nova igreja, desta vez de pedra e cal, e foram feitas bastantes obras e melhorias no convento.
Foi desbastado e aplanado o terreno para plantação de árvores de fruto, foi feita a horta e a água das fontes próximas foi encaminhada para tanques à volta do claustro.
Foi também feita a cerca para delimitar o espaço e construídas várias dependências essenciais à vida no convento, como refeitório, enfermaria, dormitório, cozinha, hospedaria, cárcere, de profundis (3), secretas (4), entre outras.
Tempos difíceis vieram com as batalhas no norte de África, o cativeiro de portugueses, e com a morte de El Rei e de muitos membros da nobreza, em Alcácer Quibir.
A nobreza “não tinha fôlego para o necessário favor das obras pias” e a população pouco podia ajudar, mas no entanto algumas doações foram chegando, o que permitia ir conservando e fazendo algumas obras: pregos, dobradiças, fechaduras, ferro e madeiras, cortiça, pedra e cal, tecidos e dinheiro. Eram doados alimentos como vinho, azeite, pescado ou galinhas que permitiam a sobrevivência no convento.
Em 1683 a Igreja foi totalmente demolida e construída uma nova no mesmo local, desta vez com as despesas a cargo da Província.
A nova igreja custou mais de quatro mil cruzados e “custara muito mais se não trabalharam em ela muitos religiosos oficiais”. Foi benzida a 29 de Janeiro de 1685 e realizada procissão com toda a comunidade.
A nova igreja já possuía um coro alto, azulejos na capela maior, painéis e pinturas no corpo da igreja, retábulos de talha dourada, novas imagens, mantos e jóias para Nossa Senhora do Loreto.
Em 1723 foi construída uma fonte com repuxo no meio do claustro, cercado de colunas e alegretes, e decorado com painéis “com a memória dos bispos e religiosos que faleceram com opinião de santidade” e mais melhoramentos se seguiram.
Em 1755 o grande terramoto também aqui causou problemas, secando as fontes que forneciam água ao convento, o que traria grandes problemas aos frades capuchos de Tancos nos anos seguintes.
O Convento não terá ficado a salvo das tropas francesas de Napoleão, que causaram imensos danos e prejuízos nesta região, mas o golpe final terá sido a extinção das ordens religiosas em 1834, a mando do ministro Joaquim António de Aguiar, que ficou conhecido como o “mata-frades”.
Conventos, mosteiros e outros bens reverteram para a Fazenda Nacional e os conventos capuchos não foram excepção, estando hoje muitos deles deixados ao abandono.
Do Convento de Nossa Senhora do Loreto de Tancos, restam apenas as ruínas vandalizadas da sua igreja.
Alguns materiais terão sido reaproveitados como “As pias do chafariz que faziam parte da cerca ou dos claustros do Convento… e as grades, pilares e alguns tanques… foram utilizados na construção do Chafariz de Vila Nova da Barquinha em 1863” (5).
As ruínas do claustro foram demolidas em 1894, quando foi construída a estrada para o Tejo.
Notas finais
O trabalho de Frei Eloi (7) é bruscamente interrompido em 1761, não se sabe porquê, mas o seu legado é precioso, encontrando-se guardado nos arquivos da Torre do Tombo.
No entanto, este nosso post só foi possível graças a um pequeno grande livrinho, do Dr. Júlio Manuel Pereira (8), que traz para o público excertos do memorial de Frei Elói guardado na Torre do Tombo, tornando-o acessível a todos os cidadãos, especialmente os que se interessam pela história desta região, e os que, como nós, ficam curiosos e querem conhecer a história do que se lhes depara, nem que seja uma simples ruína.
“Barquinha : crónicas históricas” de António Luís Roldão ; fot. Pérsio Basso. - Vila Nova da Barquinha : Município de Vila Nova da Barquinha, 2014
”Uma jóia recuperada: O Memorial do Convento de N.ª Srª do Loreto de Tancos (1572 a 1761)”. Treslado e notas, de Júlio Manuel Pereira, Edição da Associação Histórico Cultural de V.ª N.ª da Barquinha, 1996
PROVÍNCIA DE SANTO ANTÓNIO - ADMINISTRAÇÃO DOS CONVENTOS - DOCUMENTOS RELATIVOS AO CONVENTO DE NOSSA SENHORA DO LORETO DE TANCOS em Arquivo Nacional da Torre do Tombo
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