BIOTURBAÇÕES - NO SUBMUNDO DOS MARES ANCESTRAIS




Nos estratos sedimentares que afloram no nosso país é frequente encontrarmos estranhas formas fossilizadas que muitas vezes lembram desenhos dignos de quadros de arte abstracta.
Algumas dessas formas, umas côncavas outras convexas, algumas simples outras muito complexas, são o resultado da presença de organismos, cuja actividade orgânica modificou e deformou, com maior ou menor intensidade, o substrato ainda não consolidado.
A esta perturbação no arranjo estrutural original do sedimento, causada pela actividade orgânica de seres vivos, chama-se BIOTURBAÇÂO.
A existência de bioturbação numa camada sedimentar significa que a velocidade de sedimentação nesse periodo era baixa ou mesmo nula, permitindo que a vida se instalasse e proliferasse no substrato.



Peniche - Jurássico Inferior

Peniche - Jurássico Inferior


De facto, os seres vivos que existiram no nosso planeta há muitos milhões de anos deixaram-nos inúmeros vestígios da sua presença.
Os seus restos fossilizados ou melhor, os seus fósseis, apesar de na maioria das vezes serem encontrados isolados, muitas vezes partidos e longe do local onde morreram, vão permitindo que se tenha alguma percepção sobre a morfologia de muitos animais que entretanto se extinguiram.
Outros vestígios como os ovos, os gastrólitos (pedras no aparelho digestivo) ou os coprólitos (fezes) podem-nos revelar imensa informação acerca da sua reprodução, alimentação e muitos outros aspectos da vida destes organismos.


Peniche - Jurássico Inferior


No entanto, esses seres do passado deixaram também outro tipo de vestígios - as marcas fossilizadas da sua actividade biológica - a que se dá o nome de ICNITOS ou ICNOFÓSSEIS.
Estas marcas, muitas vezes os únicos testemunhos da existência de certos organismos, podem representar actividades como a locomoção e/ou repouso, a alimentação, a habitação e mesmo a reprodução.
Por terem fossilizado no mesmo local em que foram produzidos, os icnofósseis são instrumentos importantes para se conhecer, por exemplo, o tipo de ambiente onde os seus produtores se encontravam, como se deslocavam, o comportamento social e até mesmo algumas características anatómicas.


Monumento Natural do Cabo Mondego - Jurássico médio


Já abordámos neste Blog os Icnitos de pegadas de Dinossauros quando falámos em vários locais onde estes já se revelaram.
Mas falámos também de outros icnofósseis tais como os trilhos e tocas de caranguejos ou os rastos de gastrópodes e de crinoides na Praia Jurássica de S. Bento.
Mas foram os pequenos organismos que viveram no submundo dos substratos marinhos de há milhões de anos, os grandes responsáveis pela grande bioturbação existente nas rochas carbonatadas, formadas durante a era Mesozoica.


Monumento Natural do Cabo Mondego - Jurássico médio

São Pedro de Moel - Jurássico inferior


Se conhecemos sobejamente a actuação das actuais minhocas, escaravelhos e outros insectos que revolvem e fertilizam os nossos solos, menos visível é a actividade de caranguejos, bivalves e outros crustáceos nas zonas litorais e entre marés. Pior ainda nos apercebemos da actividade de poliquetas - os vermes que abundam nos fundos marinhos, das algas ou das esponjas.

Mas estes organismos, tal como os seus antepassados, escavam galerias e túneis no substrato para construir as suas tocas, para se alimentarem, para se deslocarem, para fugirem e até mesmo para repousarem.


São Pedro de Moel - Jurássico inferior

Praia Velha - Jurássico inferior


Os icnofósseis são classificados em primeiro lugar por categorias comportamentais (classificação etológica): Cubichnia para o repouso, Domichnia para a habitação, Fodinichnia para um dos modos de nutrição, Repichnia  para a locomoção de invertebrados, etc.
Se por exemplo uma cavidade apresenta um carácter fixo e permanente, as paredes revestidas com areias ou mesmo com materiais orgânicos como partículas fecais, a mesma sugere ter servido de habitação para o organismo que a escavou. Mas se a cavidade se apresentar sem revestimento, com ramificações ou contorno variável, ela poderá resultar da passagem de um organismo em busca de alimento.


Praia da Salema - Cretácico inferior

Praia da Salema - Cretácico inferior


Seguidamente, os icnofósseis são classificados consoante a sua posição em relação ao estrato (classificação toponómica): Epichnia se se encontram no topo da camada sedimentar; Endichnia no interior da camada;  Hypichnia na base e Exichnia  fora da camada sedimentar.

Por fim, os icnofósseis são classificados segundo a sua forma ou morfologia (classificação morfológica), o que permite atribuir nomes aos géneros e às espécies de icnofósseis - os icnogéneros e icnospécies.

No entanto, o estudo dos icnofósseis não permite relacionar as marcas com os indivíduos que as produziram já que, por exemplo, organismos diferentes podem produzir marcas idênticas se tiverem idêntico comportamento, ou  um mesmo individuo pode produzir marcas diferentes se o seu comportamento também o for ou se o fizer em sedimentos de natureza distinta.


Serra de Bouro - Jurássico superior

Serra de Bouro - Jurássico superior


Como os icnofósseis estão intimamente relacionados com o substrato, permitem o estudo do paleo-ambiente onde foram produzidos: se era um ambiente terrestre, lagunar ou marinho, com águas rasas ou profundas, com alta ou baixa energia, se era um ambiente anóxico ou oxigenado, com maior ou menor temperatura.
Assim, um ou mais tipos de icnofósseis podem estar associados a um determinado tipo de sedimento representando um determinado paleoambiente, o que define as chamadas ICNOFÁCIES.


Maciço Calcário Estremenho - Jurássico médio


Assim, as icnofácies, classificadas pelo icnofóssil mais comum e característico de cada uma, são: para ambientes terrestres (Scoyenia), para ambientes de praia (Psilonichnus), litorais rochosos (Trypanites), substratos semi-consolidados em águas pouco profundas (Glossifungites), fundos arenosos (Scolithus), zona sub-litoral (Cruziana), zona batial (Zoophycos), e zona abissal (Nereites).


Praia da Pedra do Ouro - Jurássico inferior


Falámos essencialmente de icnofósseis resultantes da actividade orgânica de animais, mas existem também icnofósseis resultantes da vida vegetal como os Rizólitos e as Rizoconcreções  que representam alterações geoquímicas nos solos causadas por raízes de plantas, ou as marcas de raízes que se expandem no subsolo gerando bioturbação, e outras.


Praia de Água de Madeiros - Jurássico inferior


Resta-nos por fim falar dos PSEUDOFÓSSEIS ou FALSOS FÓSSEIS,  estruturas sedimentares que pela sua aparência sugerem actividade orgânica,  mas que são formadas por processos inorgânicos.
É o caso por exemplo dos tubos de desidratação ou de desaguamento, formados quando sedimentos saturados de água são rapidamente soterrados, e a água sobe através dos estratos sobrepostos ao longo de zonas de fragilidade. Os tubos de desidratação são característicos das camadas de turbiditos  e têm um aspecto muito similar a tocas ou mesmo a vestígios de raízes.


Praia do Salgado - Jurássico superior

Praia do Salgado
Estas marcas que  poderão parecer tubos de desidratação (pseudofósseis)
são na realidade icnofósseis - galerias produzidas por
alguns tipos de caranguejos anfíbios

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